sexta-feira, 30 de julho de 2010

A queimada



Queime tudo o que puder: as cartas de amor, as contas telefônicas, o rol de roupas sujas, as escrituras e certidões, as inconfidências dos confrades ressentidos, a confissão interrompida, o poema erótico que ratifica a impotência e anuncia a arteriosclerose, os recortes antigos e as fotografias amareladas. Não deixe aos herdeiros esfaimados nenhuma herança de papel. Seja como os lobos: more num covil e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.Viva e morra fechado como um caracol. Diga sempre não à escória eletrônica. Destrua os poemas inacabados, os rascunhos, as variantes e os fragmentos que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas. Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha. Não confie a ninguém o seu segredo. A verdade não pode ser dita.

Ledo Ivô

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